Sou verso escrito, perdido nas ruas de Lisboa.
O poeta que me escreveu, rasurou o conteúdo.
sexta-feira, novembro 26, 2004
Encantamento disforme
Passando os dedos pela cara
Dou o meu último retoque…
Sou o desencanto da vida!
― Esqueleto seco no armário
De uma encenação abatida
De cor lânguida calculada.
Retina azeda, fragilizada,
Latejo a vida a cem à hora.
Sou corpo fraco (fui cortado)
Durante anos, meses e dias.
Conservado sem afecto,
Quero gritar, eu estou sem vida.
Adeusinho, ente prisioneiro,
Óbito fixo num quadrado,
Masturbado sem desejo,
Desgostado por inteiro.
Eu sou nada, deveras nada,
Num diálogo com a lâmina.
Sem receio das transparências,
Do adeus ornado que sangrei.
Posso ser turvo e preso no frasco
De uma embriaguez perceptível.
Sou sodomita, fruto, obscenidade,
Ecoando compaixão por mim.
Anjo de sangue,
Toca-me com a língua
E adere um pentagrama
Incendiando a minha pele.
Dissolve-me no álcool
E serpenteia os meus dedos.
Movimenta-te sem o receio
De cegar o meu corpo frio.
Toca nos meus ossos
(Sensação vulnerável)
Como pétalas exuberantes
Durante o tumulto do corpo.
Aspiro o desassombro,
E por isso amparo-me em ti.
Lábios eternos do suspiro,
Concha intima do desejo
Cumpre agora o teu ritual,
Saindo do meu corpo bordado,
Como um raio que floresce
Recitando a perfeição do feio.
O nervo do teu sangue
Corre sempre no meu verso.
Letras soltas e cortantes
Tentam abrir a ferida. Calcinando os meus olhos,
Suicidas o escrito.
És tinta que escorre,
E arde no estampado.
Devaneio de literatura,
Uivas a mente como nunca.
Pingando uma cor vermelha,
Prego o animal no papel.
Sou impróprio de cor impura,
E este brilho é o meu pecado.
Por ti eu posso gemer,
De outro tom não sou poeta.
Ao som da esferográfica,
Salpico o espírito no papel.
Pois sou lobo (registo nu),
Num pano branco violado.
Acordei sujo…
Sozinho numa rua de Lisboa…
Coberto por um rio de sangue e vinho,
Anseando o brilho do conforto
Da tua intensa imagem Pintada num pedaço de papel
Que guardei nestas calças infames.
Como és perfeita!
Oh! tamanho desejo…
Coloquei-te sobre qualquer deus
(Ponto mais alto do
Imaginário subconsciente)
E te venero num pedestal.
És de cor fria, pintada a carvão
E o vermelho do teu vestido
Faz contraste na minha dor.
Oh vestes de veludo carnal!
Que me privam das tuas coxas
E cobrem todo o teu corpo…
Deixai-me sentir a tua essência Só mais uma vez!
Deito-me sobre as nuvens
Do escape do automóvel
Que me guiam para local incerto
Eu estou só e quero chegar a casa…
Saio desta dança decadente
Com o rufar dos primeiros raios.
Num corpo molhado, frio e só,
Sigo o caminho trémulo e escuro
Das velas acesas, espalhadas pelo
Chão de carvalho desta casa velha
Com vista para um Tejo enegrecido...
Aprecio o teu corpo deitado no escrito.
Num impulso emotivo, abraço-me a ti
Borrando a pintura no teu corpo… Sujando o teu registo do meu desejo. Oh Flores fúnebres!
De olhos belos que me encantam
Poisai sobre o meu caixão
E tapai sobre mim a dor…
Pois não quero mais sentir
A solidão da alma!