Resignação nua e violenta

Resignação nua e violenta: agosto 2004

terça-feira, agosto 24, 2004

Mulher sem rosto

Encontro-me perdido dentro da noite, da noite dela,
Silenciado contra a pele, a carne dela.
Oiço gritos, mantenho-me atento.
Ela hoje quer fugir
Viver a vida como realmente deveria ser
Livre para poder abrir os sonhos dela, e voar
Sobre o obtuso, e o devasso.

Demente, canta disforme, tocando música violenta
Com todos os buracos do seu corpo.
Cuspindo os demónios
Dor causada pelo prazer.
Abandonada, sozinha num mundo que não é o seu
O fotografo que mastiga o seu corpo
Penetra a sua alma putrefacta.

Aqui ela enfrenta um buraco na parede
Que ilumina os seus olhos.
Flash momentâneo que cega a razão
Sinto a vergonha do esqueleto
Penetrado pela vergonha momentânea.
Breve circunspecção perversa
Debochada pelo fotografo

Há possibilidade para escapar
Torcendo-se, ela posa para a máquina.
As raízes que ela plantou
Morreram numa sociedade de cimento.
Os seus dentes corroem-me a mente de tanto morder
Ela decide que preferiria não ter raiz nenhuma,
A ter que cair na armadilha inevitável da conformidade

Pousando a mão sobre o rosto, prensa os olhos
Escutei como o lânguido fio amontoando
Do seu sorriso se dobrava sobre o corpo
Inocente combatente de físico imoral.
Olho sobre o horroroso deslizamento do veneno:
Bailado que enaltece o seu corpo
Endurecido por movimentos complicados

Confusa, sangra nesta teia de nós violeta.
Descalça e fria naquele chão húmido
Transportada pelo odor da polaroid caída
Atraída pelo barulho ensurdecedor da imagem
Dedos ensanguentados excitam-se nela
Tenta evitar o suicídio mas é mais forte que ela
A imagem a preto e branco de uma puta ensanguentada.

Sonho cínico

Imoral, é a palavra que descreve como o mundo se encontra.
Cheio daqueles que usam no dia-a-dia mascaras teatrais, com proposições decoradas que saboreiam ao consumir – O gotinhar das palavras, aquele sabor umas vezes meloso outras vezes salgado (consoante a dosagem administrada), que ajuda a pintar o quadro.
Se focarmos bem, usar essa mascara, tem tanto de belo com de perigosa:
Tem a beleza do consentimento do outro, do sim, do amor escondido dentro daquele fato obsceno;
Mas também tem a carência de coragem de se rir futilmente para o restante grupo de actores em cena.
Todos nós sabemos que eles procuram algo, mas nós fazemo-nos de parvos, perante esses pobres pôr-do-sol sonhadores, que sonham acordados, com medo da mágoa da rejeição mundana!


Todos nós somos negros, ásperos, belos, sentimentais e sonhadores, basicamente sonhadores, pois fantasiamos a dormir! Cabe-nos apenas decidir quando.

sábado, agosto 14, 2004

A idade pertence a quem a cria

Durante a época da transgressão, os vermes rastejantes da já famosíssima macieira pecaminosa, batem no vidro da janela durante horas infrutíferas.
"Onde é que está a nossa maçã?! " "Onde é que está a maçã?! "
"Degolem aquele homem. Matem aquele rapaz. Ele está completamente fora de si e nós apenas tristes. "
Eu digo que o atirem para aquele buraco e que o cubram com essas cançonetas abandonadas. Vocês querem saber onde está o diabo, mas nós sabemos onde deus está!
Ama a reminiscência.
Ama o desproporcionado.
Ama o que não és, até estares tão preso que não consigas sair.
Nós estamos perfeitos e amadurecidos logo antes da decadência.
E nesta torre de babel o futuro pertence a quem o cria, por isso façam as vossas apostas!
Sabendo isto, uma nova consciência, mata inevitavelmente a velha. Uma das coisas mais espinhosas que uma pessoa pode experimentar é a agonia de mudança. (pobre e lenta mutação à venda nos locais habituais)
Se tu amas um conceito, uma visão, uma pessoa, um ideal… Não podes oscilar, ou render-te à tradição. Não sintas medo daquilo que irás ganhar recentemente, e não tentes saltar para dentro de uma sepultura enquanto nós prestamos os nossos pêsames e abdicamos da desgraça.
Nós somos intrépidos e não temos falta de afecto. Nós importamo-nos…Eu me importo (neste caso) … com a alma do que eu crio, porque ela é a minha mesma alma.
Sei que é bonito, mas irá a alegria guiar-nos à loucura?
Se assim for amanhã quando acordar, estarei mais perto que hoje.

domingo, agosto 08, 2004

Porta

Abrindo a porta de casa abstenho-me da minha alma
-Cheguei para ser esposo
Larguei o animal à porta
Dispo a roupa e lavo o rosto
Olho-me o espelho
Cínico de mim mesmo
Finjo que conheço o objecto ponderado.
Sou solidão e morte nessa estrada
Mente perdida por achar outra,
Nesse take-away de reflexões momentâneas fatais.


Abrindo a porta do quarto abstenho-me do meu corpo
Crio o animal – Musica!
Charmes acalmam um peito selvagem
Há necessidade eu devo ser um miserável!?
Naufrágio vasto
Nem ninfas me afundem
Chuva outonal suave
Nem mil ventos me abanam
Eu não estou lá., eu não morri
Sou um eremita no meu corpo.