Resignação nua e violenta

Resignação nua e violenta: março 2005

terça-feira, março 29, 2005

Corpos metamórficos

Choro a lâmina na língua
Até me cortar, até me sentir.

Vivo confuso uma vida
Oscilante mosquito com um magro AVC

Deslizo confuso o sorriso
Com o toque de Midas liberto o veneno

De lábios amargos e olhos vazios
Sou luzente-azul do fósforo que queima e grita

Enegreço os meus dentes
Mergulhados no ópio amargo do amor

Lívido tingido e vermelho
Lambo-te a orelha humedeço-te as coxas

Vivo para me sentires
Encerrando o meu corpo como teu sudário

Num casulo sobre o chão polido
Perturbo a mente entornando a anatomia

Reconheço os defuntos cobertos
Devorados no húmido uivo policromo do corpo

Imersos no ímpeto borboleta
Tocas e absorves a letra do meu beijo

Que diz amor sem dizer que te ama
Arranhando os teus sonhos no fundo do meu rosto

Vergonhoso mel animal
Procuro beijar o teu ser sem dar um grito

Exausto sobre o teu corpo no chão
Delineio com os meus dedos a máscara da tua cara

Embalo o teu corpo
E tu voas na minha voz

Ganhas-te finalmente asas para fugir
E eu raízes ciprestes que me prendem à Terra

terça-feira, março 15, 2005

Vapor pintado a vermelho

Caro amigo – Melhor poeta moderno!
Somos monstros, mas merecemos viver.
Trocamos cabeças em romances baratos,
Pensamos na mágoa da árida crosta crua,
Dançamos no silêncio vazio das folhas,
Masturbando a dor que gravamos no papel.


Somos Homens, treinadores imaginários,
Miramos narrativas que fazem sentido.
Tocamos nas letras como o cego aborda a vida,
Cheiramos as coxas, perdemos a cor.
Somos dois animais, pois ambos temos fome
Rangemos os dentes, fechando a alma da dor

Caro amigo – Eterno poeta, Eterno!
Velho sangue que já foi Homem.
Agora sou o monstro que tu logo foste,
Torturando desejos no meu perpétuo passado.
Engravidas-te a minha imagem presa no televisor,
Não sei dizer o certo, só deixaste o errado.

Paguei uma vida simples, pequei o teu pecado.
És o homem do livro que sabe o antigo,
Sorrindo na capa (modelo cartão de visita).
Descolaste as frases que eu colei na mente,
Sou o reflexo alado do teu espelho de vida,
Quebrado fetiche, numa ténue vida comum.


sexta-feira, março 04, 2005

A inútil persistência do gosto de suportar

Sujo-te de batom, mas largo-te
Deixo-te sozinha na noite
Agonizada em luas que são frias
Contraindo o teu corpo em
Horóscopos de internas agonias

Sujas paredes entre luzes necrófilas
Que quebram-te a vida em náuseas reais
Ecoando gritos em ouvidos surdos
Papéis rasgados, queimados no chão
Sonoros semblantes em quartos mudos
Sufocas e não consegues gritar
Na sombra desta complexa vida banal
Traçando corpos meio frios entre o chão,
Que o cão ilumina e a lua vocifera
És um simples vulto negro entre a multidão

Eu te observo minha doce perversão
Ansiando por ressurgir a vela da neblina
Tu és o sopro que extinguiu o céu doente
Coisa morta escondida no labirinto
És estranha luz que me acende.

Oh, cães selvagens dos olhos teus
(Frenéticos desejos de dor inefável)
Puxa-me para ti como se de piedade se tratasse
E queima-nos aos dois numa cegueira irreparável!