Resignação nua e violenta

Resignação nua e violenta: dezembro 2004

domingo, dezembro 19, 2004

Poeta animal

Degolo rostos nocturnos desprovidos,
E o som melodioso dos seus gemidos
Ensopados, desfeitos e vomitados,
Num intenso luar urbano de tons negros.


Suspiros decompostos ansiando o deleite,
Num violento pesadelo de cortes surdos.
Observo e absorvo, mas não consigo tocar.

Pedaços vomitados na seda da noite,
Masturbados na terra sem audácia e brilho,
Cariam os corpos deitados sem sentença,
Numa estrada aberta que conduz ao frio.

Sonâmbulos do mesmo leito pintado,
Cegados por um raiar pérfido e lento.
Sujos com sangue e carne mastigada,
Com almas semelhantes à morte,
Retrato o acto que devora o meu ser,
Num culto que se destrói no ventre da lua.


Pois quero ficar com a as palavras do todo,
E penetrar no escrito aberto da ternura.
Mordido pelo olho do animal disforme
Que arranca devaneios de corpos desfeitos.

domingo, dezembro 12, 2004

25:61

Acendo um cigarro
Na boca de quem me beija.

Não consigo escrever mais!
Perdi-me entre infernais clarões
Cristalinos, suados e profundos.
O que sou?!
Eu sou nada, sou inteiro,
Sou um Homem meio-perfeito.
Tento acompanhar o presente,
Mas sou ruído, mero passado.
Nefasta valeta dos teus lábios.
(Sei que pareço alguma coisa)
Intrépido escrito iluminado
Pelas cinzas arsénico do teu cigarro.
Escuto a melopeia da tua boca,
Que me consome vida neste ensejo.
Eu procuro-te, mas tu não estás ai,
És memória que não existe,
És os olhos do meu registado.
(Afinal aparento nada)
Sou só letras, pregado em papel,
Enclausurado no teu sonho,
Merda ou arte para outros.
Em teu corpo eu me conservo,
Porém não consigo mais escrever!
Queimas-te a minha validade,
Sem eu nunca ter existido.

quarta-feira, dezembro 01, 2004

Escrito e proibido

Nasci para os últimos dias desta vida.
Sem luz, numa queda escurecida.
Lânguida flor deslumbrante,
Farta de tirar balas do corpo.
Sou o tiro que ninguém entende,
Sou a nobre escuridão.
Semblante negro e deslumbrante,
Fruto de alma magra regelada.
Pairo sobre a névoa cinza
De uma noite carregada.
Tentando saciar este voraz vazio
Nesta tarde já sem cor de orgia.
Feliz por estar prestes a partir
Deste rosto de amarga utopia,
Que ecoa sobre o animal
Das luas do desalento.
Gemendo num peito ferido, e
Reanimado nesta carta de despedida.
Não sou livro, nem sou paginas,
Nem tão pouco um monte de espelhos.
Sou a ultima lamentação
De uma maquina já sem tinta.